Sou da geração que viu o fim da constituição familiar.
Da época da liberalidade do rompimento dos laços formadores da base do
que significa ser família.
Na infância que vivia a realidade de famílias nas quais as figuras
paterna e materna perdem sua autoridades de primeiros educadores e orientadores
frente aos sujeitos-filhos, postos no mundo. Estes por sua vez, crescem com a
fala: “Você não manda na minha vida” ou, “não se meta na minha vida”.
Numa realidade como essa, na qual os pais deixam de ser a autoridade
orientadora, e entenda-se autoridade como respeito mútuo entre indivíduos no
qual uma das partes tem pela outro uma postura de aprendiz, torna-se
conflituoso a interferência no viver um do outro, pois existe de modo tácito a
ideia erronia de que se aprende a viver sozinho.
Cai por terra a importância do exemplo e de ser exemplo. É
verdadeiramente a representação do poder viver individualmente a realidade
violenta que nos cerca, sem permitir que ninguém perturbe esse impulso
“natural” da vida.
Quero ver a família se restaurar, se reestruturar, rever os seus
conceitos formadores, seus valores, seus princípios. Família enquanto tribo,
bando. Na qual as figuras paternas e maternas são a representação do exemplo a
seguir, são a conexão por suas experiências com o desconhecido, ainda
inacessível. O que lhes confere o lugar de mestres, tutores, guias. Conscientes
de que suas funções são por período curto, pois é necessário dar continuidade
aos valores preservados.
A família enquanto instituição não governamental, enquanto
empreendimento de sobrevivência, enquanto grupo de confidentes, de cúmplices.
Instituição na qual a palavra do outro importa e faz diferença nas minhas
decisões, pois o seu princípio é o “bem comum”.
Família como exercício de transformar-se a cada dia no melhor que se
pode ser mediante as relações presentes, consciente da função de transformar,
aceitar ser transformado.
Família como prática de guerreiros de insistem em se tornar melhores,
uns para os outros e através uns dos outros. Sem desistir. Abrindo mão das
palavras mesquinhas e medíocres que dizem: “se não der certo acaba”, ou “cada
um sabe de si”.
Família que reconhece a obviedade presente no fato de “cada um sabe de
si”, mas que também acredita na possibilidade do outro está enganado sobre si
mesmo.
E nessa situação, como agir? Por parâmetros. Revendo os valores e
princípios. Revendo os laços. Revendo os propósitos. Reconhecendo os inimigos.
Identificando as fraquezas. Eliminando as vaidades. Aceitando aprender com o outro.
Erradicando maus hábitos.
Ou vivemos a nos transformar para vivermos melhores, para sermos
melhores, para sermos exemplos, ou matamos a esperança de reconstruir o nosso
mundo. Pois se um novo mundo vier a surgir, certamente ele nascerá no ventre de
alguma família.
Temos que assumir, como sujeitos co-responsáveis uns pelos outros, a
interferência nas vidas coletivas que compartilhamos. Porém, interferir como
exercício. Porém, um exercício de guerra. De guerra pessoal, de cada um contra
seus próprios males: vaidades e egos. De guerra contra os males à volta, dos
mais próximos, dos irmãos, dos amigos.
Temos que sair detrás da cortina e assumir posições reais frente
transformação do nosso mundo. Que seja o mundo de cada um.
A guerra é real. O inimigo é real. Tão quanto o seu poder que nos cega,
que nos oferece um mundo maior, mais prazeroso, mais sensual e sedutor. Um
mundo fácil onde pode ter tudo àquilo que desejo pelo medíocre mérito de
satisfazer-me.
A individualização. A ascensão do capital. A valorização dos “pecados
capitais”, tão reais e concretos e que pelo fato de levarem o nome de “pecados”
soarem ironicamente ao ouvido dos céticos.
A desvalorização dos valores familiares.
A criação de mais e mais pastos. De mais e mais produtos em série. De
mais e mais consumo. Da ignorância frente a realidade de que somos controlados
através do que consumimos. Somos ignorantes e manipulados.
E nessa guerra, a melhor forma de enfrentá-la é com o poder devastador
de hegemonias chamado humor.
É por isso que digo, a vocês mentalidades livres e intelectualizadas,
que tudo o que está escrito acima, trata-se apenas de uma piada de palhaço.
E fica a Graça realizada.